Um freak genial
By João Pombo
Oi ! Sou um alentejano de 23 anos de idade e já vos leio há 75 números. Escrevo-vos hoje porque decidi mandar-vos um artigo meu sobre o Frank Zappa.
Não sei se o vão editar, se vão sequer gostar dele, se o vão achar incompleto ou imperfeito, mas de qualquer maneira ele aí vai.
Nota da Redacção: Amigo João: o teu artigo foi lido, apreciado e, como estás a ver, foi publicado. Naturalmente, não estará completo mas isso pouca importância tem. Revela a tua forma de ver o Frank Zappa – e isso é muito mais importante que qualquer falta existente. Podes crer que se ele não estivesse bom não seria publicado. E a tua iniciativa é um bom sintoma – revela o teu interesse pela música e pela nossa revista. Além disso é um exemplo para muitos outros leitores que podem, a partir de hoje, seguir o teu exemplo. Parabéns João Pombo. E aqui fica o convite para outras inicia~ ivas de muitos outros leitores que nos lêem. A secção está aberta. Aguardamos os vossos trabalhos.
FRANK Vincent Zappa tem sangue italiano e americano! A virilidade e a perspicácia, a esperteza e o combate, o não ao sistema e a sua repulsa.
Nasceu músico, como poderia ter sido pintor, ou escritor, ou ainda realizador de cinema. Surge na América quando só se ouvia o primitivo rock'n'roll: Elvis era rei do lado de cá, e da outra margem do Atlântico os Beatles eram condecorados pela rainha. De vez em quando a rádio passava alguns blues negros, uma ou outra canção folk. Essa simplicidade acústica que o rodeava levou-o a procurar linhas sonoras mais elaboradas, e apaixonou-se por Vareses. Estudou-o, ouviu-o, amou-o, e iniciou a criação. Quando os Mothers of Invention surgem, com um estranho guitarrista à cabeça do grupo chamado Frank Zappa, todos se voltaram para escutar aquela música tão bizarra que um grupo de freaks de aspecto assustador emanàva'.
Os Mothers praticavam uma música de colagem, em que todos os géneros musicais eram incluídos, construindo uma salada sonora extremamente original, própria identidade dum som demasiado avançado para aquela época em que o simples era alvo de culto e não interessava nada ao sistema que alguém apresentasse novos caminhos, e para mais um grupo com uma imagem daquelas. Os shows das Mães da Invenção eram no mínimo loucos E a aderência massiva do público vinha ainda mais realçar o perigo que tal banda representava.
E é assim que surge o primeiro registo do grupo, com o genérico «Freak Out», que era ao mesmo tempo o primeiro duplo da história do rock. Longas faixas em que os músicos tinham liberdade para se manifestarem, mas numa orientação láctica em que o ouvinte era provocado por uma teia sonora e transportado a sucessivas sensações, estímulos constantes, solos visualmente imaginários.
Abafado por todos os meios, a venda de «Freak Out» foi fraca, mas a afluência aos concertos aumentava em cada apresentação, bem como a, popularidade e preponderância na banda do seu guitarrista, Frank Zappa, que se tornou no líder.
As Mães transformavam-se de disco para disco sob a batuta de Frank, cujas palavras feriam bem fundo o tradicional orgulho americano. «We're only in it for the money» foi wm registo bombástico, todo ele constituído por uma paródia a anúncios comerciais, e uma capa que plagiava a do álbum máximo dos Beatles «Sgt Peppers Lonely Heart Club Band». Paralelamente à carreira dos Mothers, Zappa iniciou a sua carreira a solo com «Lumpy Gravy», um álbum de Hard-Rock em que as suas mãos mágicas mostravam um amadurecimento técnico bem próximo da perfeição. O virtuoso aliado ao texto odioso, salpicado de coros, inclusões jazzísticas, alusões a música de cabaret, vaudeville, e rock'n'roll, pois claro. Uns Mothers em que desde o sax, ao trompete, bateria, xilofone, sintetizadores, órgão, piano e vozes, se tornavam num grupo grandioso, a banda de suporte do génio Vicente.
Francisco Vicente, que com uma criatividade notável e única se passou a dar ao luxo de editar 2 e 3 discos por ano, intercalados por álbuns ao vivo, e todos eles profundamente diferentes mas semelhantes entre si no facto da sua notabilidade.
Pode-se amar ou detestar Zappa, mas o meio-termo é apenas impossível de existir.
Mais do que o de qualquer outro grupo, o som Mothers é inconfundível!
Com «Hot Rats» e «Bongo Fury» Zappa teve como colaborador Captain Beefheart, e no primeiro registo citado volta-se para o jazz-rock, criando uma obra ímpar em que todo o seu sabor free transporta os músicos que o acompanham (Ian Underwood, George Duke, Jean-Luc Ponty) para uma liberdade total de criação na procura de um auge que é atingido em cada faixa.
«Apostrophe» é o primeiro grande êxito comercial e ao mesmo tempo o assalto à Europa. Em França o mestre mantém ainda hoje o topo da popularidade e das vendas de discos. «Apostrophe» é um trabalho arrumado, num crescendo em ordem capaz de levar o mais exigente e desconfiado ouvinte a apaixonar-se pela sua mensagem.
«Over-Nite Sensation», «One Size Fits All» e «In New York» marcam uma certa sucessão do caminho e qualquer um deles se ergue em grandeza. Em «Over-Nite Sensation» e «One Size Fits All» encontra-se um punhado de belíssimas canções epicamente absurdas onde o sarcasmo da palavra se confronta com o choque da técnica. «In New York» é um registo ao vivo inigualável a qualquer dos antecessores álbuns com público: «Roxy and Elsewhere», «Fillmore East». O tema «Illinois Enema Bandit» é uma longa faixa de rhytm & blues verdadeiramente extenuante. Todo o lado orquestral, o jazz, encontram-se em «Black Page» e «Purple Lagoon». O nível dos músicos que o acompanham continua a ser brilhante (realce para o novo baterista Terry Bozzio).
Problemas burocráticos com a sua editora, a WEA, surgem e por motivos de contrato é obrigado a editar dois álbuns: «Sleep Dirt» e «Studio Tan».
«Seep Dirt» é um novo «Hot Rats», e mantendo o nível de HOT, não atinge o seu brilhantismo. «Studio Tan» retoma com a faixa «Greggary Peccary» a fábula, já praticada em álbuns anteriores, como é o caso de «Billy the Mountain» no álbum «Just Another Band From L.A.».
Muda de editora, agora na CBS, e com o cabelo cortado, sai o duplo «Sheik Yerbouti». A partir daqui poder-se-á dizer que se entra na nova fase de Zappa, em que não fugindo ao seu estilo o aprofunda ainda mais. Pequenas faíxas cheias de colagens sonoras e vocais, u.ma perfeita produção de que ele próprio se encarrega uso e abuso de solos de viola, a palavra nu.ma nova dimenso e importância. A salada de géneros continua: faz o jazz, o hard-rock, o reggae, o sinfónico, o vaudeville , o folk. «Yo Mama» é a faixa mais ionga do álbum, em que Frank aproveita para nos deliciar com o seu saber na guitarra. Um autêntico hino de virtuosismo!
Apercebia-se que ele queria efectuar o seu grande sonho: uma longa história sobre o mundo dos star rockers.
«Joe' Garage Act One» e «Joe's Garage Act 2 & 3» são os trabalhos seguintes. Usando narração ele vai apresentando sucessivamente a história. As groupies, os ensaios numa garagem, o rapaz que queria tocar rock e os pais não o deixavam, a droga, areligião, toda a procissão social vai desfilando numa obra controversa e não imediata que nos espanta de novo. Após este projecto uma paragem para novo registo ao vivo «Tinsel Town Rebellion» e o regresso com «You Are What You Is». Ao bom estilo de «Sheik», com as novas direcções de «Joe's Garage», este é um álbum de síntese, e por isso mesmo o mais conseguido de todos eles. O clímax sonoro percorre as aspiras numa manifestação grandiosa de como deveria ser o rock, fórmula secreta que só esse velho freak conhece.
Quando nada o faria prever ressurge com um triplo álbum instrumental.
«Shut up'n'Play Yer Guitar» é a coroa de louros de um guitarrista único, que como disse David Gilmour (Pink Floyd): Ele é o único que pode tocar connosco!
Ou ainda as palavras de Pete Townswend (The Who): Tentei percorrer a mesma escala que ele tocara, com igual velocidade, mas tive de parar extenuado.
Ainda em 1982 lança «Ship Arriving Too Late to Save a Drowning Witch», último registo até ao momento deste homem com 41 anos de idade e 38 álbuns editados, sendo de entre eles 8 duplos e 1 triplo. Produtor de várias bandas como os Grand Funk Railroad ou Jean-Luc Ponty, está ainda demasiado novo para parar.
Ele que sempre tem afirmado: Sempre um freak, jamais um hippie!
Ele que nos afirma e recorda, nos seus concertos e discos, que:
E simplesmente grandioso estar vivo nesta vida lixada!
É F.Z. - FRANK VINCENT ZAPPA!